O que o design tem a ver com política?
* Texto publicado originalmente no Facebook, em 4 de abril de 2018. Revisado e atualizado em 7 de novembro de 2024.
“Você é só um professor de DESIGN, por que fica comentando sobre política?” Esse é um questionamento frequente e que sempre me causa estranhamento. Além do uso do design como instrumento para o desenvolvimento social e econômico, a história está repleta de exemplos de como o design e a política caminham juntos e misturados.
Podemos começar pelo movimento Arts & Crafts, liderado por William Morris (1834–1896) na Inglaterra do século 19, considerado um marco na história do design. Além dos inúmeros trabalhos de tapeçaria, bordados, papéis de parede, mobiliário, etc., são conhecidos os designs de livros inspirados na estética das iluminuras medievais. De modo geral, o movimento era contrário ao “classismo burguês” e à “estética industrial”. Em um de seus textos, News from Nowhere (1890), William Morris traz a ideia de um mundo igualitário, onde a arte e o prazer do trabalho são compartilhados por todos na sociedade. Quanto à atuação política, em 1884 William Morris ajudou a fundar a Liga Socialista em Londres e frequentemente fazia discursos em público e participava de passeatas (1).
Avançando no século seguinte, em 1909 é publicado pelo italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876–1944) o “Manifesto Futurista” no jornal Le Figaro. Declamava contra o “passadismo burguês” e o “tradicionalismo cultural”. Ao contrário do Arts & Crafts, o Futurismo ficou conhecido pelo elogio ao progresso, à máquina e ao militarismo. Em suas obras, eram comuns temas que expressassem energia, movimento e velocidade. Uma ode ao progresso científico e tecnológico da época. Essas obras influenciariam arte, arquitetura e design nas décadas seguintes. Marinetti também foi co-autor do “Manifesto Fascista”, considerado uma declaração inicial das posições políticas do movimento fascista italiano iniciado por Benito Mussolini em 1919 (2).
Outro exemplo vem da Rússia do início do século 20. Após a Revolução Russa de 1917, o Construtivismo virou a linguagem de expressão do novo regime. Entre outros, Aleksandr Rodchenko e Varvara Stepanova desenvolveram uma linguagem visual inovadora baseada em formas geométricas abstratas, a fim de obter impacto social e ideológico. A serviço do regime comunista, os construtivistas produziram têxteis, cerâmicas, móveis, edifícios, livros, pôsteres de propaganda, etc. Esses trabalhos influenciaram profundamente a arte, arquitetura e design do século 20. Já no final dos anos 1920, os construtivistas sofrem com o controle estatal excessivo de Josef Stalin. O ditador acabou impondo o Realismo Socialista como forma prioritária de expressão artística e alguns dos principais nomes do Construtivismo foram perseguidos e exilados no exterior (3).
A Bauhaus talvez seja um dos maiores exemplos de como política e design caminham juntos. Escola de arte, design e arquitetura fundada em 1919, na Alemanha, a sua criação remete às políticas progressistas da República de Weimar do período entre guerras.
“A sua fundação registrou-se no turbulento período revolucionário que se seguiu à Guerra — não estava claramente definido se a autoridade administrativa da escola pertencia à antiga Superintendência da Casa Real ou ao novo governo soviete; se tivesse sido protelada até ao reagrupamento das forças conservadoras, não teria provavelmente sido aprovada.” (Droste, 2013, p. 17).
Após cinco anos de funcionamento da escola, em 1924, um governo conservador é eleito em Weimar, o que força a mudança da Bauhaus para a cidade de Dessau devido às pressões políticas. Já em Dessau, alunos marxistas fomentam o aparecimento de grupos políticos organizados na instituição. No início dos anos 1930 ocorre a demissão do então diretor Hannes Meyer (1889–1954) — marxista convicto — pelas autoridades locais conservadoras, “devido ao receio de que as actividades dos estudantes comunistas da Bauhaus lhes pudessem custar valiosos votos” (Droste, 2013, p. 166). Na ocasião também ocorreu o recadastramento dos alunos a fim de identificar e expulsar lideranças comunistas.
Finalmente, em 1930, ocorre a ascensão do Partido Nazista ao poder na Alemanha. “Nas eleições municipais de Dessau e nas parlamentares regionais, o Partido Nacional-Socialista fez campanha contra a Bauhaus ‘bolchevista” (Droste, 2013, p. 227). Uma das principais propostas do partido incluía o corte de verbas estatais destinadas à Bauhaus, além da demolição imediata de seu edifício. Apesar da tentativa de se restabelecer em Berlim, em 1933 a escola encerra suas atividades diante da perseguição nazista (4)(5).
Após a Segunda Guerra e já no contexto da Guerra Fria, a história da HfG Ulm (1953–1968), outra importante escola de design alemã, também foi permeada pela política do início ao fim. Segundo o HfG Archiv Ulm:
“Por um lado, conflitos internos sempre promoveram o ‘experimento HfG’ e levaram a um novo ímpeto para a instituição; no entanto, eles também envolveram críticas sérias. Consequentemente, o parlamento regional de Baden-Württemberg debateu repetidamente se a escola merecia mais subsídios. A Fundação Irmãos Scholl [mantenedora da HfG Ulm] também estava severamente endividada; como resultado, os professores foram demitidos e o número de aulas foi reduzido. O parlamento regional votou em novembro de 1968 para retirar todo o financiamento; consequentemente, a escola foi fechada em meio a protestos no final do ano. (6)
No Brasil, em plena ditadura militar, por razões políticas o curso de Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR) quase foi extinto logo no começo, em 1975. Na época chamado de “Desenho Industrial”, inspirava-se no modelo de ensino da Bauhaus — com todas as suas implicações. O curso permaneceu aberto apenas devido à resistência dos alunos, mesmo contra a vontade de uma das diretoras da instituição. Porém, passou por mudanças severas no currículo e na coordenação para continuar em funcionamento (7)(8).
Assim como tantos outros, esses são apenas alguns exemplos pontuais selecionados para ilustrar a relação do design com a política ao longo da história. Como referência mais atual*, para começar sugiro o episódio do podcast Visual+mente no qual Rafael Ancara, Ricardo Cunha Lima e eu entrevistamos a professora e designer Fernanda Martins (9); ou a leitura do livro “Políticas do design — um guia (não tão) global de comunicação visual”, de Ruben Pater, publicado no Brasil pela Editora UBU.
Então, quando perguntam “o que o design tem a ver com política?” a resposta só pode ser: “tudo”.
REFERÊNCIAS
(1) <https://www.vam.ac.uk/articles/introducing-william-morris>
(2) <http://www.italianfuturism.org/>
(3) <https://www.moma.org/collection/terms/constructivism>
(4) DROSTE, Magdalene. Bauhaus (1919–1933). Köln: Taschen, 2013.
(5) <https://www.bauhaus.de/en/>
(6) <http://www.hfg-archiv.ulm.de/>
(7) FOLLMANN, Giselle Blasius; BRAGA, Marcos da Costa. Criação e implantação do curso de “Design” da UFPR. In: BRAGA, Marcos da Costa; CORRÊA, Ronaldo de Oliveira (orgs.). Histórias do Design no Paraná. Curitiba: Insight, 2014. pp. 137–156.
(8) OLIVEIRA, Alexandre Antonio de. Memórias discentes das experiências nos cursos de comunicação visual e desenho industrial da Universidade Federal do Paraná entre 1975 e 1978. Tese (Doutorado em Design) — Universidade Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Design. Curitiba, 2023.
(9) <https://visualmente.com.br/programa/01-design-e-politica-com-fernanda-martins>